SOM BRASILEIRO - Em busca da batida perfeita
Grupos de maracatus de Curitiba envolvem estudantes e artistas empenhados em afinar os batuques e toadas da cultura popular
Grupos de maracatus de Curitiba envolvem estudantes e artistas empenhados em afinar os batuques e toadas da cultura popular
Não foi à toa que o paraibano Ariano Suassuana se surpreendeu quando assistiu à apresentação do grupo infantil de maracatu Caraxalê, em 2006, na ocasião da aula espetáculo que apresentou na TV Paulo Freire Um Canal para a Liberdade. Ao ver uma garotinha japonesa tocando alfaia (tambor) e um típico polaco à frente do maracatu, manifestação da cultura nordestina e dos afrodescendentes, o escritor disparou: ''Esse Solak é o polaco mais negro que já vi''. O sotaque carregado de Ariano acabou por modificar a pronúncia do sobrenome do professor de Artes Plásticas e músico Pedro Solak, de 34 anos, para Solaque.
Um dos primeiros a se envolver com o maracatu, em Curitiba, Pedro Solak faz da cultura popular seu trabalho e sua forma de sociabilizar. ''Conheci há dez anos, quando veio aqui uma batuqueira do Maracatu Estrela Brilhante, de Pernambuco. Desde então, o maracatu é o meu meio de juntar as pessoas, minha bicicleta que me leva aonde quero ir. É minha forma de respeitar o ser humano e a diversidade, de fazer amigos e também está presente no meu trabalho com as crianças na escola'', conta ele que ensina maracatu numa oficina de cultura popular do Colégio Nossa Senhora do Rosário, no Bacacheri, há quatro anos, para alunos de 9 a 14 anos. O grupo foi batizado de Caraxalê.
''Quando comecei o trabalho com as culturas populares houve um alvoroço sadio aqui na escola e chegou a tocar os pais. A oficina de maracatu fascina as crianças e os adolescentes, pela percussão, colorido e toda a riqueza cultural. Não tem como ficar parado quando se ouve o maracatu, porque a batida é energizante, mexe o esqueleto, chacoalha o espírito e alegra a alma. O mundo inteiro quer o maracatu'', diz Solak, informando que o Caraxalê anima dois eventos escolares, por ano, quando os integrantes se apresentam vestidos com figurinos produzidos pelos próprios alunos nas aulas de Artes.
Dentro do trabalho com as culturas populares os estudantes conheceram outras manifestações culturais como o boi de mamão, coco de roda, samba de roda, jongo, cavalo-marinho. ''Eu falava com propriedade e paixão sobre o maracatu, as crianças ficaram empolgadas e queriam tocar os tambores. Foi aí que o colégio permitiu nossas aulas'', conta o professor. ''Veja que é um colégio de freiras, por isso foi importante nesse processo o respeito de ambas as partes. Quando comecei a ensinar as toadas, procurei aquelas que aproximavam o maracatu da escola: Oh Senhora do Rosário / a sua casa cheira / cheira cravo, cheira rosa / cheira flor de laranjeira'', canta Solak.
Além de coordenar grupos de maracatu e ser batuqueiro, o professor produz alfaias cuja técnica aprimorou numa de suas viagens a Pernambuco. Falta pouco para completar 50 tambores, que já foram até para Londres, Guatemala, Argentina e México, além de serem utilizados pelos integrantes do Caraxalê. ''Esse trabalho com a cultura popular tem sido muito importante porque ele despertou nas crianças o interesse pela cultura brasileira e até mundial. Passaram a ser observadores desse universo. Temos uma aluna da oficina que é descendente de japoneses, mas só após o maracatu é que os colegas pediram que ela tocasse o taikô, um tambor japonês. Essa troca é maravilhosa'', vibra ele, se referindo a Munise Fugekami, de 14 anos, que escolheu o nome Caraxalê.
''Relacionei com o barulho que faz o caracaxá (instrumento) e todo mundo gostou. É muito bom tocar maracatu, pela alegria e por ser uma cultura diferente da minha. Acho que por isso chama a atenção das pessoas o fato de eu ser uma japonesa tocando maracatu'', raciocina a garota. A pequena Nahomi Santana, de 9 anos, participa das aulas há dois. ''Só tive que esperar entrar na terceira série para poder me inscrever. Quando eu via as apresentações do Caraxalê na escola, sonhava em aprender a tocar alfaia. O que mais gosto é o som do maracatu'', conta a menina.
Tudo começou com o Boizinho Faceiro
Segundo Pedro Solak, a movimentação em torno do maracatu começou com o trabalho do Boizinho Faceiro, grupo de cultura popular curitibano, criado há cinco anos. ''O Luciano Fagundes, sobrinho do artista Antônio Carlos Nóbrega, era o coordenador do grupo e foi ele quem facilitou esse intercâmbio com o Pernambuco. Com certeza foi o Boizinho Faceiro o primeiro a trabalhar o maracatu em Curitiba, mas não podemos esquecer que o Mundaréu iniciou a valorização dos ritmos brasileiros já há dez anos'', informa ele.
Quando o Boizinho introduziu o maracatu nas apresentações passou a ser convidado para tocar em eventos de faculdades e de prefeituras. ''Fazíamos a divulgação do nosso trabalho com o maracatu. Às vezes nem rolava o espetáculo inteiro, só o cortejo com o maracatu, coco e ciranda. Não escolhemos destacar o maracatu, mas os tambores são contagiantes, se tornando um aglutinador de pessoas'', explica Solak, observando que negros são pouquíssimos nos grupos curitibanos e que o movimento foi tomado pelos estudantes universitários.
Oficinas de maracatu começaram a ser promovidas pelo Boizinho Faceiro, quando se observa a formação dos primeiros grupos de maracatu da cidade, o Estrela do Sul e o Maracaeté, há mais de dois anos. ''Depois fizemos algumas oficinas com os universitários no festival de inverno de Antonina que geraram o grupo Voa Voa Maracatu Brincante. Então, a gente percebe uma cena de maracatu se estabelecendo em Curitiba, cada grupo com sua proposta'', pontua Pedro Solak, que é coordenador do Voa Voa e do qual participam 35 pessoas.
O Arrastão de Maracatu na Rua XV começou, em 2006, também com a proposta de divulgar a cultura popular. O evento acontece na última sexta-feira do mês e junta cerca de 50 batuqueiros dos grupos da cidade que seguem num cortejo pela via. ''Maracatu é diversão, alegria que anima a cena cultural apática de Curitiba. Nas ruas, a gente vê pouca coisa por aqui. Nesses anos de trabalho, o maracatu foi conquistando esse espaço. Tocar na Rua XV, a espinha dorsal da cidade, com esse povo todo acompanhando é uma grande motivação'', comemora o universitário Ulisses Sato, de 21 anos, integrante do Voa Voa.
No primeiro Encontro Sul-Brasileiro de Grupos de Percussão de Maracatu de Baque Virado, em dezembro do ano passado, mais de 100 batuqueiros deram corpo ao Arrastão na Rua XV, talvez o mais grandioso até agora. Além disso, a cidade já sediou dois encontros de maracatus, em 2006 e 2007, nas ruínas do Largo da Ordem, chamado de ''Curicatu de Maratiba''.
''Na verdade, não temos nenhum grupo de maracatu. Os grupos daqui são de percussão, porque não possuem ainda os demais elementos que compõem o maracatu como a corte da rainha, as bonecas calunga que são símbolos da divindade e de respeito às entidades da nação ou do terreiro. Até as toadas começamos a aprender mais há pouco tempo'', disse Solak, acrescentando que as oficinas com batuqueiros e mestre de nações de Pernambuco, como o Estrela Brilhante, Leão Coroado e Porto Rico, em 2007, demonstram o esforço dos grupos em trabalhar para se assemelharem, cada vez mais, com o maracatu daquele estado.
Quando o Boizinho introduziu o maracatu nas apresentações passou a ser convidado para tocar em eventos de faculdades e de prefeituras. ''Fazíamos a divulgação do nosso trabalho com o maracatu. Às vezes nem rolava o espetáculo inteiro, só o cortejo com o maracatu, coco e ciranda. Não escolhemos destacar o maracatu, mas os tambores são contagiantes, se tornando um aglutinador de pessoas'', explica Solak, observando que negros são pouquíssimos nos grupos curitibanos e que o movimento foi tomado pelos estudantes universitários.
Oficinas de maracatu começaram a ser promovidas pelo Boizinho Faceiro, quando se observa a formação dos primeiros grupos de maracatu da cidade, o Estrela do Sul e o Maracaeté, há mais de dois anos. ''Depois fizemos algumas oficinas com os universitários no festival de inverno de Antonina que geraram o grupo Voa Voa Maracatu Brincante. Então, a gente percebe uma cena de maracatu se estabelecendo em Curitiba, cada grupo com sua proposta'', pontua Pedro Solak, que é coordenador do Voa Voa e do qual participam 35 pessoas.
O Arrastão de Maracatu na Rua XV começou, em 2006, também com a proposta de divulgar a cultura popular. O evento acontece na última sexta-feira do mês e junta cerca de 50 batuqueiros dos grupos da cidade que seguem num cortejo pela via. ''Maracatu é diversão, alegria que anima a cena cultural apática de Curitiba. Nas ruas, a gente vê pouca coisa por aqui. Nesses anos de trabalho, o maracatu foi conquistando esse espaço. Tocar na Rua XV, a espinha dorsal da cidade, com esse povo todo acompanhando é uma grande motivação'', comemora o universitário Ulisses Sato, de 21 anos, integrante do Voa Voa.
No primeiro Encontro Sul-Brasileiro de Grupos de Percussão de Maracatu de Baque Virado, em dezembro do ano passado, mais de 100 batuqueiros deram corpo ao Arrastão na Rua XV, talvez o mais grandioso até agora. Além disso, a cidade já sediou dois encontros de maracatus, em 2006 e 2007, nas ruínas do Largo da Ordem, chamado de ''Curicatu de Maratiba''.
''Na verdade, não temos nenhum grupo de maracatu. Os grupos daqui são de percussão, porque não possuem ainda os demais elementos que compõem o maracatu como a corte da rainha, as bonecas calunga que são símbolos da divindade e de respeito às entidades da nação ou do terreiro. Até as toadas começamos a aprender mais há pouco tempo'', disse Solak, acrescentando que as oficinas com batuqueiros e mestre de nações de Pernambuco, como o Estrela Brilhante, Leão Coroado e Porto Rico, em 2007, demonstram o esforço dos grupos em trabalhar para se assemelharem, cada vez mais, com o maracatu daquele estado.
SOM BRASILEIRO - Redescobrindo o maracatu
Maracaeté trabalha para estreitar o grupo com as raízes afro e indígenas, impulsionado pela proximidade com a Sociedade Treze de Maio
Numa Curitiba onde é raro, talvez raríssimo, assistir a manifestações culturais no meio da rua de forma mais espontânea, sem estar previsto em algum calendário oficial ou de festivais tradicionais da cidade, causa até estranhamento topar com um grupo de pessoas tocando maracatu motivado pela expressão da própria cultura popular. Mas num passeio pelas ruas históricas do Largo da Ordem, nas tardes de sábado, é possível ter essa agradável e rica vivência proporcionada pelo Maracaeté.
Desde que os ensaios do grupo passaram a acontecer na sede da Sociedade Treze de Maio, na Rua Clotário Portugal, há cerca de sete meses, virou costume levar as batucadas do maracatu num belo cortejo pelas ruas do Largo. Belo sem exageros. O Maracaeté conquistou um lugar de destaque na cena do maracatu em Curitiba. Depois de dois anos de existência focados num trabalho profissional e estudo sobre a manifestação cultural ''exportada de Pernambuco'', o grupo conquistou brilho próprio.
São apenas 23 integrantes que parecem se multiplicar nas suas apresentações pela paixão que demonstram pelo maracatu. A percussão é afinada, transparece a disciplina no estudo, a busca pela perfeição. As toadas são cantadas com vigor, as vozes se completam com harmonia. O figurino não é de uma nação de Baque Virado típica pernambucana, com toda a corte do rei e da rainha, mas é caprichoso o suficiente para os componentes, quase todos músicos da mini-orquestra - há apenas duas dançarinas.
Aliás, o capricho do Maracaeté com o visual é difícil de se ver em outro grupo curitibano. As mulheres enfeitadas, com flores nos cabelos e vestidas de saia rodada, conferem a beleza e graça ao grupo. A dança é um elemento que o enriquece ainda mais. Os movimentos, a coreografia e o molejo são mais naturais, lembrando as danças do candomblé - religião que tem relação direta com o maracatu.
O que se deve admirar ainda mais no trabalho do Maracaeté é a persistência e investimento na cultura popular para levá-la às ruas ''como essência do maracatu'', apesar de pouco apoio recebido. ''Curitiba é uma cidade que busca se relacionar com o comportamento europeu, conservador. Ela é reacionária e faz de tudo para evitar festas nas ruas, feitas pelo povo, mesmo que seja para levar alegria e diversão. Mas não vamos desistir de desfilar o maracatu e promover essa catarse'', diz um dos coordenadores do Maracaeté, Leandro Teixeira.
Maracaeté foi criado em 2006
''Não almejamos ser uma nação, como acontece em Pernambuco até porque uma tradição não se cria. Buscamos fundamentos para dar propriedade A uma releitura do maracatu, para divulgá-la enquanto cultura popular, por isso trouxemos mestres e batuqueiros pernambucanos para dar oficinas. Vivemos um momento em Curitiba que São Paulo e Florianópolis já vivenciaram, cidades que trabalham com o maracatu há mais de 15 anos'', explica Leandro, contando que o grupo surgiu mesmo, em 2004, durante uma oficina de percussão, mas só no carnaval de 2006, no bloco Garibaldis e Sacis, todo mundo se reuniu para criar o Maracaeté.
Como consequência do estudo mais profundo sobre o maracatu, veio o interesse pelas raízes negras e indígenas da manifestação cultural. ''Isso têm sido importante para a gente sair da abordagem artificial do maracatu, uma cultura que não nasceu aqui. As oficinas com os mestres nos ajudou muito, nos passaram o respeito pela cultura oral, dos ancestrais. O maracatu é uma universidade da vida, um exercício de viver em grupo'', acredita Brenda Maria, outra coordenadora do Maracaeté.
O processo de estreitamento com a cultura negra ganhou força com a ida do Maracaeté para a Sociedade Treze de Maio, fundada em 1888, por ex-escravos com a finalidade de apoiar socialmente os negros em Curitiba. Pode-se dizer que o local é o santuário dos negros na cidade, apesar de pouca relevância dada à história da sociedade. ''Viemos parar nessa casa, que tem 120 anos de história, não por acaso'', pontua Brenda.
O grupo planeja fazer melhorias na sociedade, como providenciar pintura nova, além de colaborar financeiramente com a manutenção da casa, onde realiza dois ensaios, por semana. ''O clima aqui é muito bom. Rolou uma sintonia e uma identificação do nosso trabalho com a casa. Queremos criar um vínculo com a sociedade, sua história com os negros, em Curitiba, e que abriu as portas para o Maracaeté'', reforça Brenda.
Misticismo e fôlego novo para a sociedade
Um tanto de misticismo também envolve o encontro do Maracaeté com a Sociedade Treze de Maio. Uma série de coincidências com situações que ocorreram no passado, fez o grupo refletir sobre o estreitamento de relações com o local. ''Fizemos aqui a festa de aniversário de um ano do Maracaeté e lotamos a casa com 450 pessoas. O seu Álvaro (presidente da sociedade) gostou tanto do evento que nos convidou para fazermos os ensaios aqui'', lembra Brenda Maria.
Em 2007, o grupo promoveu outras duas festas na sociedade, nos dias 5 de outubro e 8 de dezembro, dia de São Benedito dos Homens Pretos e Nossa Senhora da Conceição, respectivamente. ''Nós nem sabíamos que essas datas eram religiosas. Escolhemos por acaso mesmo. O historiador Edvan Ramos, que faz estudos sobre a sociedade, conferiu as festas e nos revelou essa coincidência, que os sócios da Treze de Maio comemoravam essas datas no passado. E de fato, as duas festas foram incríveis, ninguém sabia explicar exatamente o porquê'', conta Brenda.
''O Maracaeté está fazendo rituais antigos na sociedade de forma instintiva. Na noite de São Benedito fizeram uma festa tão bonita. Havia altar e elementos do candomblé e do catolicismo, revivendo uma festividade ocorrida em 1893, com batucada, ritmos afro e fins religiosos, conforme documentos históricos. Não conheço nenhuma cultura negra que se enquadre tão bem com a sociedade como esse grupo de maracatu'', observa o historiador Edvan Ramos, que passou a estudar a Treze de Maio, há 15 anos, durante suas pesquisas sobre Maria Bueno - que manteve relações com a entidade e com a irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos, extinta na década de 1940.
Sociedade congregou os ex-escravos
Segundo Ramos, a sociedade foi o único centro oficial que congregou os ex-escravos, após a Lei Áurea, que precisavam buscar meios de sobrevivência. ''Para 99% dos libertos, a sociedade era um ponto de referência, onde se encontravam e recebiam ajuda social, para alguns até a morte. Tudo era mantido pelos negros que trabalhavam e contribuíam com a casa. Também recebia apoio dos militares e de alguns intelectuais. A sociedade guarda uma história rica e pouco valorizada'', pontua Ramos, contando que a região no entorno da casa, conhecida como Boulevard São Francisco, era habitada pelos negros. Ele só lamenta a escassez de documentos históricos da sociedade.
A partir de 1950, a Treze de Maio se abriu para novos sócios, não apenas negros e desde então, foram se perdendo as festividades religiosas e as tradições. Dessa nova fase é que Álvaro da Silva, presidente da sociedade, há dez anos, se recorda. ''Meu pai foi presidente da casa, fundada para os negros, mas que é aberta a todos. Aqui aconteceram assembléias e encontros de diversos segmentos da sociedade. Tínhamos também a famosa domingueira, com muita batucada e samba, que estamos resgatando agora com a juventude do Maracaeté, um fôlego novo e que se encaixa no perfil da sociedade'', diz Álvaro da Silva, de 60 anos, informando que hoje só há 40 sócios.
Depois de 1950, a sociedade só foi reformada novamente, em 1996, pelo município. De acordo com Ricardo Bindo, assessor de planejamneto do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc), a Treze de Maio foi revitalizada com recursos da venda de potencial construtivo, apesar de não ser considerada uma unidade de interesse de preservação (UIP). ''O edifício em si não tem um valor arquitetônico, mas a sociedade sim tem valor histórico e cultural, por isso, ela ganhou uma reforma geral como uma unidade de interesse especial de preservação, pensando em manter a organização e garantir as atividades da casa como os bailes populares e festas'', informa Bindo.
Flora Guedes
Equipe da Folha
Um tanto de misticismo também envolve o encontro do Maracaeté com a Sociedade Treze de Maio. Uma série de coincidências com situações que ocorreram no passado, fez o grupo refletir sobre o estreitamento de relações com o local. ''Fizemos aqui a festa de aniversário de um ano do Maracaeté e lotamos a casa com 450 pessoas. O seu Álvaro (presidente da sociedade) gostou tanto do evento que nos convidou para fazermos os ensaios aqui'', lembra Brenda Maria.
Em 2007, o grupo promoveu outras duas festas na sociedade, nos dias 5 de outubro e 8 de dezembro, dia de São Benedito dos Homens Pretos e Nossa Senhora da Conceição, respectivamente. ''Nós nem sabíamos que essas datas eram religiosas. Escolhemos por acaso mesmo. O historiador Edvan Ramos, que faz estudos sobre a sociedade, conferiu as festas e nos revelou essa coincidência, que os sócios da Treze de Maio comemoravam essas datas no passado. E de fato, as duas festas foram incríveis, ninguém sabia explicar exatamente o porquê'', conta Brenda.
''O Maracaeté está fazendo rituais antigos na sociedade de forma instintiva. Na noite de São Benedito fizeram uma festa tão bonita. Havia altar e elementos do candomblé e do catolicismo, revivendo uma festividade ocorrida em 1893, com batucada, ritmos afro e fins religiosos, conforme documentos históricos. Não conheço nenhuma cultura negra que se enquadre tão bem com a sociedade como esse grupo de maracatu'', observa o historiador Edvan Ramos, que passou a estudar a Treze de Maio, há 15 anos, durante suas pesquisas sobre Maria Bueno - que manteve relações com a entidade e com a irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos, extinta na década de 1940.
Sociedade congregou os ex-escravos
Segundo Ramos, a sociedade foi o único centro oficial que congregou os ex-escravos, após a Lei Áurea, que precisavam buscar meios de sobrevivência. ''Para 99% dos libertos, a sociedade era um ponto de referência, onde se encontravam e recebiam ajuda social, para alguns até a morte. Tudo era mantido pelos negros que trabalhavam e contribuíam com a casa. Também recebia apoio dos militares e de alguns intelectuais. A sociedade guarda uma história rica e pouco valorizada'', pontua Ramos, contando que a região no entorno da casa, conhecida como Boulevard São Francisco, era habitada pelos negros. Ele só lamenta a escassez de documentos históricos da sociedade.
A partir de 1950, a Treze de Maio se abriu para novos sócios, não apenas negros e desde então, foram se perdendo as festividades religiosas e as tradições. Dessa nova fase é que Álvaro da Silva, presidente da sociedade, há dez anos, se recorda. ''Meu pai foi presidente da casa, fundada para os negros, mas que é aberta a todos. Aqui aconteceram assembléias e encontros de diversos segmentos da sociedade. Tínhamos também a famosa domingueira, com muita batucada e samba, que estamos resgatando agora com a juventude do Maracaeté, um fôlego novo e que se encaixa no perfil da sociedade'', diz Álvaro da Silva, de 60 anos, informando que hoje só há 40 sócios.
Depois de 1950, a sociedade só foi reformada novamente, em 1996, pelo município. De acordo com Ricardo Bindo, assessor de planejamneto do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc), a Treze de Maio foi revitalizada com recursos da venda de potencial construtivo, apesar de não ser considerada uma unidade de interesse de preservação (UIP). ''O edifício em si não tem um valor arquitetônico, mas a sociedade sim tem valor histórico e cultural, por isso, ela ganhou uma reforma geral como uma unidade de interesse especial de preservação, pensando em manter a organização e garantir as atividades da casa como os bailes populares e festas'', informa Bindo.
Flora Guedes
Equipe da Folha
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